Recentemente houve um debate na câmara de São Paulo acerca do PL615, a chamada Lei do Telhado Branco, proposta pelo vereador Goulart e que tornaria obrigatório o uso da cor branca nos telhados da cidade de São Paulo.
Essa proposta que tem boas intenções foi baseada em um estudo da Universidade de Berkeley (CA, EUA) que “constatou que cerca de 25% (vinte e cinco por cento) da superfície de uma cidade é composta de telhados, e que estes são predominantemente escuros, refletindo somente 20% (vinte por cento) da luz solar. Por outro lado, se fossem pintados de branco refletiriam mais a luz solar e absorveriam menos calor, emitindo 10t (dez toneladas de CO2 (gás carbônico) a menos para cada 100m2 (cem metros quadrados) de telhado pintado.”
A partir daí foi criado um movimento mundial que defende que esse estudo seja ampliado para todo o mundo, mas nem tudo o que serve acolá, serve aqui. Cada caso é um caso, e as generalizações, além de burras, podem ser danosas ao meio ambiente, justo o que o Projeto de Lei procurava evitar. Numa demonstração de espirito democrático o autor da proposta se dispôs a ouvir os especialistas e seus argumentos, que estão postados abaixo.
1- A matriz energética (nos USA) é predominantemente baseada na queima de diesel e carvão, enquanto a nossa base é hidroelétrica, portanto aqui a redução do consumo energético não reflete na emissão de CO2 como pretende o estudo.
2- O clima é muito seco, enquanto o nosso é muito úmido. Aqui a proliferação de fungos transformaria rapidamente o branco em gradações enegrecidas, o que ao invés de diminuir a temperatura dos ambientes abaixo da cobertura, teria efeito contrário, colaborando para o aquecimento destes ambientes.
3- As edificações usam técnicas construtivas diferentes das nossas, com uso muito mais disseminado de climatização mecânica e sistemas de ar condicionado, sendo as coberturas mais naturais, como as executadas por telhas de barro, quase inexistentes, ao inverso do que acontece em São Paulo, onde são típicas estas coberturas, que pintadas, deixariam de respirar, comprometendo sua eficiência.
4- Não se levou em conta, nem foi elaborada nenhuma estimativa da emissão de CO2 provocada pela cadeia envolvida desde a produção da tinta, até sua aplicação e manutenção na escala pretendida, que no nosso contexto, fatalmente seria responsável por muito mais emissão de CO2, do que a medida pode ser capaz de evitar.
5- O sol não permanece a pino o tempo todo, como considera o estudo, sendo sua incidência (mais ainda no caso de uma cidade verticalizada como a nossa), muito maior sobre as superfícies verticais das edificações, do que nas coberturas.
6- Esfriar ambientes climatizados artificialmente contribui para diminuir o consumo energético no verão, porém tem efeito contrário no inverno.
7- Toda a energia solar que a medida lograsse refletir voltaria para o ambiente, o que até pode vir a contribuir para potencializar o problema, mas certamente não nos ajudaria a combatê-lo. Não foram feitos estudos acerca da reflexão que a medida provocaria no contexto desta metrópole (e suas várias ilhas de calor), já vitimada pelo efeito estufa, e com presença massiva de partículas em suspensão.
8- Há um custo social agregado à medida que também precisa ser considerado, dada a periculosidade envolvida nas tarefas de pintar e manter brancas as coberturas, sempre altas, e muitas vezes impróprias ao trânsito, por sua inclinação ou fragilidade. Este custo social se potencializa com a escassez de mão de obra qualificada.
9– As obras arquitetônicas e as edificações preservadas por seu valor histórico não foram levadas em conta, a medida nestes casos geraria agressão visual e descaracterização do nosso patrimônio histórico.
10- A medida impediria a implantação de sistemas passivos de condicionamento, ou que utilizem as superfícies das coberturas para a captação de energia solar.
11– Há divergência de temperatura e de meio ambiente para cada bairro de São Paulo. Nossa metrópole abriga várias e diferentes “ilhas de calor”. A medida iguala um bairro extremamente arborizado e de casas térreas, com outro verticalizado e sem cobertura vegetal em sua área.
12- Uma tinta comum sofreria lixiviação com o tempo, e sua química seria carregada pelos dutos do sistema pluvial até os rios que cortam a cidade, provocando mais danos ambientais. O projeto de lei não exige uso de produto inerte, e mesmo que o fizesse, não há capacidade de fiscalização dos órgãos públicos para garantir este controle.
13- Vale lembrar que nossas coberturas de barro retém a água precipitada absorvendo cerca de 3,5 a 4 litros de água por m2, devolvendo paulatinamente esta umidade para o ambiente com a ação do sol, depois que a chuva cessa. Ninguém fez o cálculo, mas estes 4 litros por metro em Sampa agravariam tragicamente nosso problema com enchentes…
Esse debate serviu para mostrar que a cidade tem muito mais a ganhar com discussões democráticas e que reúna especialistas com dados locais do que em meramente importar soluções de fora em questionar. Ponto para o vereador que abriu esse espaço e se dispôs a mostrar que realmente está interessado em ajudar a melhorar a sua cidade. Ponto para os debatedores que, em alto nível, ponderaram soluções e se uniram em uma luta para também mostrar que a sustentabilidade na construção precisa de mais espaços qualificados como esse, que é necessário mais incentivos para que soluções locais possam ser implementadas e aprimoradas, e finalmente ponto para a Synapsis, que com o auxílio do climatólogo Celso Borzani, logrou provocar o debate, reunir especialistas do I.E., USP e UERJ, que explicaram cada um dos 13 pontos descritos acima, levando à retirada do Projeto de Lei pelo autor do mesmo.